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Prefácio ao livro “Lúpulo” – Ken Grossman

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Ken Grossman é o fundador da cervejaria Sierra Nevada (Chico, EUA).

Embora eu não tenha uma lembrança exata, acredito que meu primeiro contato com o aroma do lúpulo, provavelmente, ocorreu em algum momento entre o meu quinto ou sexto ano de vida. Quando era pequeno, eu passava muito tempo na casa do meu vizinho e grande amigo. Seu pai, Cal, além de ser um metalúrgico cientista de foguetes em Rockwell, era um hábil cervejeiro caseiro. Durante toda a minha infância, eu o vi passar muitos fins de semana na cozinha com panelas grandes no fogão, fervendo o que pareciam ser poções misteriosas feitas com uma variedade de ingredientes exóticos. Fiquei intrigado com o seu equipamento improvisado para fabricação de cerveja, que era composto de peneiras, mangueiras e baldes que ele havia convertido a partir de itens da cozinha da sua esposa e da loja de ferragens, muito antes deste tipo de coisa ser desenvolvido para amadores. Ainda me lembro claramente do ocasional e estimulante transbordamento da fervura, e da reação descontrolada de sua esposa, geralmente tolerante, à bagunça no seu fogão. O aroma peculiar do mosto fervendo cativou-me desde cedo. Embora algumas pessoas achem desagradável, eu estava embriagado com o aroma pungente e doce do malte, e o floral do lúpulo. Era totalmente diferente de qualquer outro aroma que eu conhecia.

Durante anos da minha infância, eu estava sempre em torno de todo o processo de fabricação, desde as panelas fervendo, aos recipientes cobertos, aos baldes de plástico com espuma no topo, até uma fileira de galões de vidro com seus airlocks borbulhando na área de serviço. Quando já éramos mais velhos, às vezes ajudávamos com tarefas como lavar as garrafas ou colocar as tampinhas durante o dia de engarrafamento. Fazer cerveja era o passatempo do Cal, e logo se tornou a minha paixão. Agora entendo que esta exposição precoce ao lúpulo e à cerveja tiveram uma grande influência na minha carreira, e, depois, nos estilos de cerveja que escolhi beber e produzir. Muitas vezes eu já me perguntei: “será que eu seria um cervejeiro hoje se eu não tivesse sido seduzido desde pequeno pelo aroma do lúpulo?”. Tenho sido durante boa parte da minha vida o que agora se chama de hop head. Embora eu goste e valorize diversos estilos de cerveja, sempre pendo para o lado mais lupulado e nunca me canso das características complexas e aromáticas que o maravilhoso lúpulo tem para nos proporcionar.

Meu vizinho começou a fabricar cerveja antes que ingredientes de qualidade, especialmente lúpulos, estivessem disponíveis para os amadores. Felizmente, ele tinha feito amizade com alguém que trabalhava em uma grande cervejaria internacional e às vezes recebia “amostras” de alguns dos melhores lúpulos de todo o mundo. Eles eram muito superiores ao que se encontrava nas lojas de suprimentos para cervejeiros caseiros, e tinham origens em lugares distantes como a Inglaterra, Iugoslávia, Polônia, Alemanha e Tchecoslováquia. Mais tarde, à medida que me tornei um aspirante a cervejeiro caseiro, lembrava-me de como tive sorte por ter acesso àqueles lúpulos praticamente desconhecidos e indisponíveis, e o quanto eles melhoraram a qualidade da minha cerveja.

Se você era um cervejeiro caseiro nos anos 1960 ou 1970, o que era vendido como “lúpulo” costumava ser pequenos tijolos comprimidos embrulhados em papel rosa que eram simplesmente rotulados como “lúpulo”. Na melhor das hipóteses, eles eram lúpulos Cluster de dois ou três anos que certamente haviam sido armazenados no estoque comum, ou seja, sem refrigeração, mas também poderiam ser qualquer variedade que havia sido rejeitada pelas cervejarias ou que era excedente no mercado naquele momento. A disponibilidade limitada de lúpulos de qualidade não estava necessariamente relacionada a uma conspiração contra os cervejeiros caseiros. Como ainda era ilegal fazer cerveja em casa, o movimento de cervejeiros caseiros ainda estava engatinhando, e poucos haviam percebido o potencial de mercado do fornecimento de lúpulo para cervejeiros amadores. Curiosamente, estes tijolos cor-de-rosa com 115 gramas de lúpulo eram originalmente destinados à África e à América do Sul para serem usados na panificação, e acabaram entrando no comércio para cervejeiros caseiros nos Estados Unidos como uma via secundária. A origem do uso do lúpulo no pão é um mistério; encontrei referências em receitas antigas como um ingrediente no starter de levedura. Embora o lúpulo possa ter sido usado para dar sabor, é mais provável que alguém tenha descoberto acidentalmente que as suas propriedades antissépticas ajudam a conversar a cultura de levedura não refrigerada sem azedar. Alguns anos atrás, ao falar com o fornecedor destes tijolos cor-de-rosa, ele me contou a história do ano em que o seu típico lúpulo envelhecido havia acabado. Ele se viu forçado a vender lúpulo fresco para seus clientes, o que não foi bem recebido, e a rejeição foi por causa do cheiro pungente. A solução que ele encontrou foi romper os fardos de lúpulo e deixá-los por várias semanas expostos ao sol para envelhecê-los rapidamente e acabar com qualquer vestígio do aroma de lúpulo.

Motivado em grande parte por não conseguir encontrar na minha região lúpulos de qualidade e outros insumos para o meu passatempo, que ficava cada vez mais sério, em 1976 tomei a decisão de abrir a minha própria loja, Home Brew Shop, em Chico, Califórnia. Neste ano, o meu fascínio pelo papel que os lúpulos desempenham na cerveja levou-me a uma viagem a Yakima, em Washington. Conheci e me conectei aos agricultores da cooperativa de produção de lúpulo, como também a um jovem bastante enérgico, Ralph Olson, novo no mercado de lúpulo. Embora a Home Brew Shop fosse pequena demais para comprar um fardo padrão de 90 quilos de qualquer variedade, eu os convenci a vender-me mais de 100 “porções de cervejeiro” de meio quilo de cada variedade que cultivavam. Estas são amostras retiradas de cada 25 ou 50 fardos num lote, e normalmente são fornecidas às cervejarias para avaliação de qualidade. Na época, a indústria de lúpulo dos EUA ainda estava focada, principalmente, em apenas algumas variedades, especialmente o resistente, confiável e durável Cluster. Lembro-me de comprar Bullion, Northern Brewer e Brewer’s Gold na minha primeira viagem. Mais tarde, consegui comprar um pouco de Cascade e Willamette do Oregon, uma vez que eles ainda não eram plantados em Washington. Cascade, o lúpulo que se tornaria a marca da Sierra Nevada, havia sido lançado recentemente. Carreguei a minha perua Toyota e dirigi de volta para casa em Chico, entusiasmado com o meu novo contato direto. Claro, o meu entusiasmo deve ter sido aumentado pelos efeitos do óleo de lúpulo vindo de todas as flores recém-colhidas. Mais tarde, naquele ano, também estabeleci contatos diretos com fornecedores europeus, abrindo um novo mundo de variedades para os cervejeiros caseiros experimentarem.

Embora meu caso de amor com o lúpulo represente apenas uma pequena peça no quebra-cabeça da evolução, cultivo e uso do lúpulo, isso ocorreu em um momento fundamental na história deste ingrediente muitas vezes marginalizado, mas essencial para a produção de cerveja. Quando comecei a minha carreira como cervejeiro profissional, em 1980, quase não existiam mais cervejas comerciais com alguma lupulagem neste país. Havia um punhado de cervejas lupuladas importadas e algumas relíquias sobreviventes de tempos passados, como a Rainier Ale e a Ballantine, infusionada com óleo de lúpulo. As vendas destas marcas estavam em declínio acentuado, e eu as testemunhei sendo reformuladas e perdendo parte do seu perfil lupulado para se tornarem mais atraentes a um público mais jovem ou menos criterioso. Em geral, a cerveja estava caminhando rumo à homogeneidade e suavização, com uma redução geral tanto no uso de malte quanto da presença do lúpulo, e focando em estilos Lager mais leves e com menos personalidade. O lúpulo foi relegado a um papel coadjuvante na maioria das cervejas, enquanto as cervejarias se esforçavam para produzir cervejas que não ofenderiam o gosto de ninguém.

Fritz Maytag foi provavelmente o primeiro fabricante de cerveja artesanal norte-americano a retomar o foco no lúpulo, seguido logo depois pela onda inicial de cervejeiros como eu, cujas raízes de cervejeiro caseiro traziam um apreço pelas cervejas lupuladas, cada vez mais escassas. Recentemente, fabricantes de cervejas artesanais têm levado o seu amor pelo lúpulo mais longe e questionado o uso convencional e os parâmetros comumente aceitos para “aroma de lúpulo”. Há apenas alguns anos, cervejeiros consagrados nos Estados Unidos e em todo o mundo evitavam o aroma pungente e exótico que as microcervejarias agora promovem com entusiasmo.

Este livro é um incrível compêndio sobre o lúpulo, escrito em um nível de detalhe que vai cativar desde historiadores, até químicos e cervejeiros. A investigação exaustiva de Stan Hieronymus traça a história e a evolução de muitas variedades tradicionais e recentes, adotadas e apoiadas por fabricantes de cervejas artesanais, revelando muito sobre as dinâmicas que impulsionam o setor. Stan traz uma visão pessoal sobre as famílias de múltiplas gerações que continuam lutando para atender às necessidades inconstantes dos cervejeiros. Este livro é tecnicamente sólido, muito bem fundamentado e comentado em notas de rodapé, investigando o uso e a história do lúpulo de forma profunda e relevante, tanto para aqueles no setor cervejeiro quanto para quem apenas tem curiosidade sobre esta planta incrível.

— Ken Grossman

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